No país da carteirada em que um pedaço de papel, plastificado e contendo o brasão republicano ou logotipo análogo geralmente oriundo de poderes públicos, autarquias, fundações, casas legislativas, varas judiciárias e até mesmo do clube de recreação, vale como passaporte ‘plus’ para usufruto, adiantado ou exclusivo, daquilo que requer regras e hierarquia a todos, dentro da máxima de que uns sãos mais iguais do que outros perante o regimento.
Dentre incontáveis passagens vexatórias pelas quais cidadãos e instituições passam ao longo de sua existência no tocante ao famigerado ‘você sabe com quem está falando? ’, há nuances, camadas a serem enxergadas. Da toga da magistratura, passando pela escala do pequeno poder revelado pela média da população com acesso a bens comuns e até mesmo ao mais desvalidos, uma espécie de contaminação aristocrática ‘ a lá século 19’ permeia nossa história enquanto sociedade civil e militar organizada.
Bem recentemente, numa dessas variantes que buscam alguma exclusividade de benefício próprio em detrimento aos demais, na mais pura falta de empatia, ou seja, lá como chamar a ausência de espírito público, as duas maiores cortes do Poder Judiciário brasileiro entraram, mais uma vez, na esparrela de se excluírem do restante nacional. Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça solicitaram (oficiaram) à Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro para garantirem a si reserva da vacina contra Covid-19. A Fiocruz produzirá no Brasil a droga, numa parceria com a multinacional farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford. O imunizante ainda não tem autorização de uso pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, condição legal para sua utilização.
Noves fora, o mais importante aqui é pensar sobre o motivo alegado pelo STF no documento endereçado à Fundação, no qual teria explicitado essa necessidade de se vacinar as cerca de 7 mil pessoas entre funcionários e juízes por entender ser “ uma forma de contribuir com o país nesse momento tão crítico da nossa história”.
Essa mesma ladainha vem sendo utilizada, mudando-se palavras, jeitos e ‘público-alvo’, ao longo de séculos de História do Brasil. Aqui vale muito a pena sugerir a Antropologia para nos assistir e preencher nosso vazio memorial e intelectual coletivo com os ‘causos’ brasileiríssimos. A quem não leu até agora, vai a dica de apreciar ‘Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro’, obra escrita há mais de 40 anos e de uma atualidade que, infelizmente, transfixa passado, presente e futuro mas, felizmente, está aí para nos ajudar no processo civilizatório.
Em tempo: a Fiocruz rejeitou, corretamente, o pleito magistral. Pelas palavras, preferiu dizer que se tratava de distribuição via Ministério da Saúde e que todos os lotes da vacina por ela gerenciados, importados ou feitos em território carioca, seriam entregues ao MS, a quem caberia a formatação de sua disponibilização às populações por ela identificadas como prioritárias.
Outro dia posso voltar ao tema, pois sua vocação ao inesgotável é sem fim já que há espaço para tratar das questões ampliadas que emanam do período colonial como clientelismo, fisiologismo e outros ‘brasileirismos’.
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